Eu nunca me dei bem com água. Inclusive fui um bebê que não tomava água. Insípida e inodora, tô fora. Até hoje me incomoda a textura, a temperatura, tudo. Sei lá, água é uma coisa estranha.
Além da de beber, tem a de se afogar. Tomei uns caldos na aula de natação da escola e na praia com meus primos até que, aos treze anos, minha história com a água começou a ficar séria.
Eu era uma adolescente que gostava de ler. O que é algo bem estranho para 2021, mas na minha época não tinha celular, internet, nem muitas bocas disponíveis para beijar nas férias escolares que eu passava sempre na mesma cidade litorânea sem graça. A saída era ler.
Naquele verão de calor molhado, decidi levar Tubarão na mochila. O livro que deu origem ao filme dos anos 80, que eu já tinha visto em alguma sessão da tarde, mas não me lembrava bem. Escrevo isso e fico pensando como ninguém me interditou dessa ideia estapafúrdia: Ler um livro sobre ataques de um tubarão assassino enquanto tomava sol na praia.
No terceiro capítulo eu já não saía do guarda-sol nem para molhar os pés na beiradinha. Minha mãe insistia, dizendo que o tubarão ficaria preso na areia do raso. “Mãe, o Tubarão atacou uns banhistas à beira-mar, você não lembra?”. “Filha, é um livro de ficção!”.
O Tubarão fez um estrago que dura mais de trinta anos. Já me obrigaram a fazer pesquisas na internet sobre a incidência de tubarões na baixada santista. Óbvio que eu sei disso tudo. Mas não há racionalidade que dê conta desse pânico.
Para piorar, o medo que era exclusivamente de tubarões, ao longo dos anos foi se ampliando para arraias, águas-vivas, ouriços, baleias, ondas, chegando à inimaginável alga marinha. Alga marinha! Aquela que a gente come no sushi! Que perigo pode oferecer uma folhinha melequenta que fica no fundo do mar e gruda no seu pé?
Foi aí que eu decidi que precisava de ajuda.
Resolvi que o jeito de enfrentar esse pavor que afetava diretamente as férias em família, era me inscrever numa prova de triatlhon*. Para quem não pisava nem no rasinho dos bebês, nadar 750 metros em águas abertas seria um tratamento de choque bastante adequado. Ideia tão plausível quanto ler Tubarão na beira da praia.
A única coisa que consegui com a inscrição para o triatlhon, foi minha psicanalista pedir que eu passasse a frequentar as consultas duas vezes por semana. Semana sim e outra também discorria sobre os monstros marinhos e como gostaria de encontrar uma praia sem ondas, com água quentinha, sem animas marinhos, que me desse pé em todo o horizonte. Ela me disse: "essa possibilidade já existe: a piscina do clube".
"Mas você já leu aquela notícia de pessoas que mergulharam em piscinas de água morna, resguardadas por salva vidas e tiveram os cabelos sugados pelo ralo? Eu sei que esses casos são raros, mas por via das dúvidas, raspei a cabeça."
Fe Lopes
*Triatlhon é uma atividade física que consiste em nadar (geralmente em águas abertas), pedalar e correr
** O livro Tubarão foi escrito por Peter Benchley
Hahahaha MUITO BOM